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A polêmica sobre a fosfoetanolamina

SÃO PAULO – A droga conhecida como fosfoetanolamina ganhou os noticiários nas últimas semanas. A substância distribuída na USP (Universidade de São Paulo) no campus de São Carlos promete curar o câncer. Entretanto, não há provas científicas de que isso aconteça, além de sua distribuição ser ilegal.

A polêmica

A substância, também chamada de fosfo, é sintetizada na USP São Carlos no laboratório do químico e professor aposentado Gilberto Chierice. Segundo ele, a substância cura o câncer, entretanto, ela não passou por nenhum teste clínico em humanos. A droga foi testada em ratos e algumas células humanas, mas não há dados suficientes que justifiquem o seu uso, pois não foram feitos testes de toxicidade e eficácia em pacientes com a doença.

Além da falta de estudos comprovando sua eficácia e segurança, a fosfoetanolamina não é reconhecida na ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) como um medicamento, e sua distribuição ou comercialização não estão aprovados.

A USP São Carlos proibiu a distribuição das cápsulas em junho de 2014, entretanto, uma decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, liberou sua distribuição temporariamente em 06 de outubro de 2015. Dessa forma, pacientes com câncer que quisessem consumir a substância, podem consegui-la gratuitamente no campus da universidade. Entretanto, a ANVISA alerta que o seu consumo pode causar danos à saúde, uma vez que não há testes suficientes sobre essa molécula.

Em declaração pública, a USP afirma que a fosfoetanolamina não é um remédio e que a mesma não desenvolveu estudos clínicos sobre a molécula. Portanto, cabe ao médico assumir a responsabilidade legal de sua prescrição.

O câncer e as terapias alternativas

O câncer é uma das doenças mais mortais da humanidade, para a qual ainda não existe uma cura definitiva. Alguns tipos de câncer, normalmente quando diagnosticados precocemente, apresentam alta taxa de cura. Entretanto, boa parte dos pacientes com tumores malignos morre por causa da doença.

Uma vez que os tratamentos convencionais não conseguem conter a evolução do câncer, é natural ver pacientes recorrendo a tratamentos alternativos, muitos dos quais não têm comprovações científicas. Segundo a Sociedade Americana de Oncologia Clínica, cerca de 80% dos pacientes com câncer fazem uso de algum tratamento alternativo. Embora muitos desses tratamentos sejam inofensivos, diversos pacientes optam por abrir mão dos tratamentos convencionais (quimioterapia, radioterapia e cirurgia) para fazer uso de terapias sem dados clínicos robustos.

E é exatamente aí onde está o problema. Pacientes que poderiam ter boas chances de cura se seguissem os tratamentos convencionais, acabam por piorar uma vez que abandonam a terapia indicada pelos seus médicos.

As etapas de produção de um medicamento

O desenvolvimento de um medicamento é um processo longo, elaborado, custoso e que envolve diversos profissionais. Inicialmente, moléculas são testadas em células e animais, nas etapas chamadas de “Estudos Pré-Clínicos”. Durante essa fase, o potencial tóxico da molécula é minuciosamente investigado, como sua capacidade de causar mutações, teratogenicidade, entre outras.

Uma vez que a molécula prove ser segura em animais e células, ela começa a ser testada em humanos, na fase chamada de “Estudos Clínicos”, divididas em 3 fases. Durante esse período, a droga passa por diversos testes para testar segurança, eficácia, dosagem, dentre outros. Após a droga apresentar segurança e eficácia nessa fase, ela começa a ser comercializada. A última fase, chamada de fase 4 ou “Estudo Pós-Clínico” investiga a eficácia da droga já sendo comercializada e efeitos em longo prazo na população.

O período total de desenvolvimento de um medicamento, desde sua concepção no laboratório até sua comercialização, pode chegar a 15 anos e ter um custo de milhões de dólares. A substância distribuída pela USP não passou pelas fases de testes clínicos em pacientes e, portanto, não recebeu aprovação legal para sua comercialização.

19 de outubro de 2015. Texto escrito por Matheus Malta de Sá (farmacêutico). Fonte: Anvisa, USP.br. Fotos: Fotolia.com

Observação da redação: este artigo foi modificado em 24.10.2015

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